quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

FALTAM LEITOS NO SUS?

José Carlos Diniz Barradas*
Muito se tem falado e escrito, nos diversos meios de comunicação, sobre a necessidade de abertura de novos leitos hospitalares, não só em Santa Maria onde moro, mas no Brasil como um todo.Como médico, há mais de 25 anos atuando em diversos segmentos de atendimento, fico a pensar se esta é de fato uma prioridade única e absoluta para a melhoria da assistência à saúde de nossa população.A mim fica claro que muitas destas declarações são evidentemente carregadas de forte conteúdo demagógico, que visa, frequentemente, alavancar candidaturas às vésperas de eleições. Entretanto, se fizermos uma análise mais técnica e imparcial da situação (o que raramente tem tido espaço na mídia), veremos que o caos que impera no sistema de saúde de Santa Maria e do Rio Grande do Sul, não apenas na área pública, mas também no setor privado, tem raízes muito além da alegada falta de leitos hospitalares.Uma distorção frequentemente apontada é de que houve uma redução à metade dos leitos hospitalares no Estado nos últimos 50 anos, o que, mesmo sendo verdade, não explica a precária assistência hoje prestada à população, já que esta redução ocorreu em todo o mundo (na Inglaterra eram 7 leitos por 1 mil habitantes em 1970, hoje são 2), na medida em que a melhoria das condições de vida e a evolução da medicina reduziram sensivelmente a necessidade real de hospitalizações, uma vez que as pessoas adoecem menos e a medicina e ciências afins curam ou tratam mais sem precisar do hospital.Seguindo por esta linha e analisando os números oficiais do Atlas Sócio Econômico do RS e do IBGE, veremos que a oferta de leitos hoje na região de Santa Maria (4ª CRS) representa cerca de 3 leitos para cada mil habitantes, média absolutamente aceitável pelas diretrizes do Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde e acima da média de leitos observada em diversos países do mundo desenvolvido, não necessariamente mais ricos do que nós, como Estado Unidos, Inglaterra, França, Espanha ou Portugal.Então, se temos leitos em número no mínimo razoável, por que as filas nos hospitais e nas emergências? Por que macas nos corredores, com pacientes em condições desumanas?Porque o sistema de saúde da região segue penando pela ineficiência de gestão, onde o atendimento ambulatorial primário está sucateado, sem poder de resolução (faltam condições materiais, exames, medicamentos, além de profissionais) e sem o efetivo comprometimento de muitos de destes profissionais, que desvalorizados em seu trabalho, recebem como contrapartida, a falta de cobrança de resultados. É sabido que um sistema ambulatorial realmente resolutivo, com estímulo e cobrança de produtividade, apoiado por um nível secundário organizado de especialidades, atende 90% das demandas de saúde de uma população, restando ao setor hospitalar (chamado nível terciário de assistência) apenas 10% desta demanda, para os quais a capacidade hospitalar já instalada na região deveria ser suficiente.Para os políticos, de todos os lados, vale mais a pena (rende mais votos!) comprar ambulâncias para levar crianças com uma simples escabiose (sarna) para Santa Maria, por exemplo, do que contratar e valorizar profissionais ou apoiar o pequeno hospital da sua comunidade. Todos os dias, no PA Pediátrico do Hospital Universitário de Santa Maria, convivemos com encaminhamentos absurdos de problemas básicos que não deveriam precisar de um hospital de alta complexidade, onde tiram o lugar de muitos realmente necessitados deste tipo de assistência. O mesmo acontece com pacientes do próprio município que chegam ao hospital, com queixas comuns, muitas vezes agravadas após várias idas às unidades básicas da cidade, apenas porque no hospital não é preciso madrugar para tirar ficha, os exames são rápidos e a resolução, em geral, satisfatória.Usando um exemplo regional, também que vale mais a pena aos políticos de Santa Maria abandonar o HUSM e a Casa de Saúde (que juntos poderiam ter quase 1 mil leitos) e apostar na jogatina de construirmos um Hospital Regional, cujo custo por leito superará, em muito, o custo por leito que por ventura fosse ativado nos hospitais já existentes. Sem falar nos leitos SUS do Hospital de Caridade, cuja novela se arrasta, com mínima participação e engajamento das forças políticas da região.Por isso, acho importante tentar trazer este contraponto, por temer que esta inversão insana da lógica de nosso sistema de saúde se torna uma dessas crenças, que beneficie uns poucos em detrimento daqueles que realmente mais precisam deste sistema.
*Médico pediatra
FONTE: ZERO HORA DIA 26.02.12

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