Então, o Presidente falou “merda” – e nada de mais aconteceu, a República não caiu.
Houve, é claro, quem tentasse se escandalizar e quem rosnasse sobre a liturgia do cargo mas, cá entre nós: estes sempre acharam que o Lula só fala merda. Se não há novidade, não devem estar chocados. Também nenhum jornal deixou de publicar a palavra por extenso, ao dar a notícia. Só faltou estamparem numa manchete, e pena que não aconteceu.
Merda é muito mais legal que bunda, que já deixou de ser palavrão há muito tempo. Serve pra quase todo instante, que sempre tem alguma acontecendo por aí. Sem falar da que se pisa na calçada, ou daquela pra onde se manda outrem. E serve ainda pra saudar quem sobe ao palco, como se sabe, naquela tradição do teatro. Eu mesmo sou superticioso com isso, não gosto que desejem boa sorte, e sim merda, antes de um show.
Pelo sim, pelo não, a palavra do Lula ilustra bem o momento especial que atravessamos, neste alvorecer dos anos 10 (ainda que a década, de fato, só inicie em 2011).O Brasil faz sua estréia como ator respeitável e respeitado nos fóruns de decisão mundial – o que justificaria seu uso como voto de sucesso. De outro lado, ao lembrar que o povo brasileiro ainda chafurda na merda, o próprio Lula expôs os limites dessa celebração de um novo e pujante país. Enquanto houver uma enorme fatia da população sem as necessidades básicas atendidas, seguiremos mais afogados do que emergentes.
Mas é o uso da merda como imprecação o mais representativo ainda do passado recente. Nunca antes neste país (e em quase toda América do Sul), as elites se viram tão incomodadas. Verdade que não chega a ser grande mérito do governo Lula. É mais revelador do nada absoluto que os anteriores fizeram, e da intolerância aristocrática de quem não admite perder seus anéis e preconceitos. Nenhum banqueiro está falido, nenhum empresário teve de ir embora do país, nenhum faisão deixou de chegar à mesa da corte. Mas o desconforto desta branca elite é visível todo o tempo, a cada vez que a imprensa amiga sustenta a posição rançosa de rejeitar e desfazer o que do Lula vier.
Assim, basta ligar a TV num noticiário qualquer – eu sugiro a Globonews – para se morrer de rir.
O pessoal torce, torce mais que organizada do Flamengo, pra alguma coisa dar errada. Mas como, para além de boas intenções, o Lula nasceu com o fiofó virado pra lua, as notícias têm sido mais do que boas para o governo, mais do que ótimas, até beirando o inacreditável. E os âncoras e comentaristas viram e reviram, tentando apontar uma falhazinha aqui, reclamar de uma taxa de juros ali, mas não tem jeito. Fica a sensação de que, fora do ar, depois de se despedirem com um muxoxo de boa-noite, um olha para o outro e solta aquela frase desconsolada, e inevitável:
– Mas que merda.
Por Emerson Pacheco
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