Ministério Público Federal
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
Grupo de Trabalho da Saúde
Fundamentos básicos para atuação do MPF contra
a terceirização da gestão dos serviços prestados
nos estabelecimentos públicos de saúde
A proposta de terceirização através de organizações sociai
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
Grupo de Trabalho da Saúde
Fundamentos básicos para atuação do MPF contra
a terceirização da gestão dos serviços prestados
nos estabelecimentos públicos de saúde
A proposta de terceirização através de organizações sociai
O modelo busca obter maior autonomia na execução dos serviços. Conseqüentemente, implica uma tentativa de redução dos controles típicos sobre a Administração Pública. Em substituição, haveria um maior controle finalístico, através de contratos de gestão, com uma maior responsabilidade dos dirigentes de tais organizações.
Problemas de ordem prática com a concepção do modelo
Em geral, as leis que instrumentalizam a criação de Organizações Sociais, ao flexibilizarem controles administrativos, não oferecem, em troca, mecanismos eficazes para garantir o prometido controle finalístico e maior responsabilização em relação aos dirigentes e administradores.
A verdade é que o instrumento do Contrato de Gestão tem se revelado insuficiente. Muitas vezes não há controle no momento da contratação, por exemplo, em relação à factibilidade das metas estabelecidas em função do equipamento e recursos humanos disponibilizados. Posteriormente, não há controle na execução do contrato. Não há, também, critérios para estipulação de garantias em relação ao patrimônio cedido e aos recursos repassados.
O resultado prático pode ser o descontrole sobre o uso do patrimônio e dos recursos públicos e a precarização dos vínculos entre os serviços públicos de saúde e os recursos humanos que lhe são fundamentais.
O interesse público que justificaria a adoção do modelo é o da obtenção de maior eficiência e qualidade na prestação dos serviços públicos de saúde. Porém, tal eficiência e qualidade podem ser questionadas em seus fundamentos.
É necessário observar que no modelo neoliberal, a eficiência decorreria precisamente da concorrência entre os agentes. No caso das OS, não se pode falar em concorrência, primeiro, porque não há processo licitatório ou seletivo que a estimule e, no sentido econômico do termo, porque não deve haver fim lucrativo nas atividades por elas executadas.
Em relação à ausência de finalidade lucrativa, é preciso atentar que o Plano Diretor da Reforma de Estado, deixava vislumbrar a hipótese de exploração privada dos serviços, ao prever que “a sociedade a que serve ... deverá também participar minoritariamente de seu financiamento via compra de serviços e doações”.
Aqui teríamos outras dificuldades, como a admissão da exploração privada de patrimônio e recursos públicos e a ocorrência de discriminação entre pagantes e não pagantes (usuários do SUS).
Problemas de ordem jurídica com a concepção do modelo
Não se compatibilizou a inovação com os mecanismos de controles da administração pública de matriz constitucional: obrigação de licitar, obrigação de promover concurso público, controle externo por tribunal de contas e mecanismos de controle interno. Tampouco se compatibilizou com as especificidades do sistema de saúde delineado na Constituição.
Resulta que a Lei Federal e as leis estaduais e municipais editadas que admitem e disciplinam a transferência de serviços públicos de saúde para pessoas jurídicas de direito privado (instituições privadas), são inconstitucionais, pois colidem frontalmente com os princípios e regras da Constituição da República e da Lei Orgânica da Saúde que regem a promoção do direito à saúde através do SUS. As razões, em síntese, são as seguintes:
1) Descumprimento da regra constitucional que determina a prestação dos serviços do Sistema Único de Saúde DIRETAMENTE pelo Poder Público (art. 196, caput);
O art. 199 trata da participação da iniciativa privada na área da saúde, estabelecendo que, caso as estruturas públicas não sejam suficientes para acolher toda a demanda do SUS, fica autorizada a participação da iniciativa privada, em caráter complementar (199 caput e §1º da CF e art. 24, da Lei 8080/90).
O papel da iniciativa privada na prestação de serviços do SUS é, portanto, acessório, de modo que toda e qualquer tentativa de investir a iniciativa privada na condição de protagonista confronta o texto constitucional e a Lei Orgânica da Saúde.
O assunto já foi objeto de atenção da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, em parecer proferido pelo então PFDC, Dr. Wagner Gonçalves, no qual afirmou o seguinte:
“a correta leitura do art. 197 da CF (e face às demais regras vigentes) é a de que a execução dos serviços de saúde deve ser feita diretamente (pelo Estado) ou por terceiros (hospitais e unidades hospitalares de entidades filantrópicas que venham a integrar o SUS). Todos exercem serviços de relevância pública, mas aqueles prestados pelo Estado são de natureza essencialmente pública, integral e universal, caracterizando-se como direito fundamental e dever do Estado”;
2) Há desrespeito à decisão do Conselho Nacional de Saúde, que, em março de 2005, deliberou contrariamente à terceirização dos serviços públicos de saúde. Muitas vezes há, também, deliberação dos Conselhos Estaduais e Municipais contrárias à terceirização;
3) A lei federal e as leis estaduais e locais que admitem a gestão de serviços públicos de saúde por instituições privadas contêm dispositivos que colocam em risco a integridade do patrimônio público:
Elas admitem a habilitação de Organizações Sociais e a celebração de contratos de gestão sem processo licitatório (Lei 9.637/98).
Uma vez celebrado o contrato de gestão, passa a ser possível contratar serviços, também sem licitação, com amparo no art. 24, inc. XXIV da Lei Federal nº 8.666/93, com a redação dada pela Lei Federal nº 9.648/98.
Todavia, entendemos que deveria ser observada a regra do art. 37, XXI, da CF/88, que visa à proteção do patrimônio público, à garantia da moralidade administrativa e do tratamento isonômico de todos os que contratam com a administração e que impõe o dever de licitação pública para a realização de gastos com recursos do erário.
Embora se trate de leis estaduais e municipais, caso não haja atuação do Ministério Público Estadual, é possível a propositura de ação pelo MPF por haver INTERESSE NACIONAL (FEDERAL) na correta prestação dos serviços e na aplicação de recursos do orçamento federal.
Muito embora os serviços públicos indevidamente transferidos às instituições privadas sejam municipais ou estaduais, há manifesto interesse jurídico e social na correta prestação dos serviços do SUS.
Ademais, trata-se da concretização de um direito fundamental, em um projeto de índole nacional desenvolvido com instâncias de toda a Federação. O SUS é uma política ÚNICA para toda a Nação, que se reporta a instituições integradas por todos os entes federativos, como as Comissões Tripartite e Bipartite, além do Conselho Nacional de Saúde. A frustração dos direitos do cidadão por qualquer dos seus elos (ou integrantes) atenta contra o interesse nacional de promoção do completo bem-estar físico, mental e social.
Em segundo lugar, porque parcela expressiva dos recursos públicos que mantêm o SUS é de origem federal, ou seja, arrecadados em toda a nação. Em 2004, por exemplo, o Município de São Paulo recebeu da União R$ 850 milhões para ações na área da saúde. Nesse mesmo período, foram gastos com saúde no Município de São Paulo R$ 2,2 bilhões. Vale dizer, a Federação responde por 39% dos recursos investidos na saúde dos munícipes de São Paulo. (Diligenciou-se no http://www.siops.datasus.gov.br a obtenção dos números relativos ao exercício de 2005. No entanto, o Município de São Paulo ainda não enviara a informação ao sistema. Acesso em 2/3/06).
É evidente, portanto, que a União e a sociedade brasileira têm interesse na correta aplicação desses recursos, oriundos de contribuições sociais cobradas em âmbito nacional, conforme, aliás, prevê o artigo 33, § 4º, da Lei nº 8.080/90:
“§ 4º. O Ministério da Saúde acompanhará, através de seu sistema de auditoria, a conformidade à programação aprovada da aplicação dos recursos repassados a Estados e Municípios. Constatada a malversação, desvio ou não aplicação dos recursos, caberá ao Ministério da Saúde aplicar as medidas previstas em lei.”
A questão está aguardando decisão do Supremo Tribunal Federal há oito anos, ou seja, desde a propositura, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, de Ação Direta de Inconstitucionalidade dos arts. 2º caput e inciso II, 5º; 6º caput e par. Único, 7º caput, incisos I e II e par. Único; 12, caput e §§ 1º, 2º e 3º; 13, caput e par. Único e 14 caput, §§ 1º, 2º e 3º, todos da Lei Federal 9.637/1998, que dispõem sobre a qualificação de entidades como instituições privadas, dentre outras providências (ADI 1943-1/600-DF).
Vale notar que as leis estaduais e municipais praticamente repetem o conteúdo da Lei 9637/98, sendo iguais os argumentos utilizados para combater os seus efeitos.
Desde o início das citadas ações, que ainda aguardam julgamento pelo STF, inúmeras leis estaduais e municipais surgiram, permitindo a transferência de gestão de serviços públicos de saúde para instituições privadas. Diante disso, cremos ser necessária a adoção de medidas imediatas, visando coibir a consolidação de um sistema que, como já dito, contraria a legislação vigente sobre o SUS.
Por esta razão, entendemos que MPE e/ou o MPF deveriam atuar no sentido de obstar a celebração de contratos de gestão entre os Gestores do SUS e instituições privadas, que tenham por objeto a gestão e/ou prestação de serviços públicos de saúde, atualmente desenvolvidos diretamente por Estados e Municípios.
Nos casos em que os serviços públicos de saúde já foram passados à gestão de instituições privadas, impende a adoção de medida judicial destinada à regularização da situação, com a anulação dos contratos de gestão, adotando-se as cautelas necessárias à manutenção da continuidade dos serviços.
Como ponto de partida para esta atuação, sugere-se a expedição dos seguintes ofícios:
a) Aos gestores locais do SUS (Secretários Estadual e Municipal de Saúde) indagando:
(i) se há unidades públicas de saúde geridas por instituições privadas e quais são elas;
(ii) qual o fundamento legal para a transferência da gestão dos serviços de saúde prestados nas instituições públicas, para entidades privadas;
(iii) tendo sido celebrados contratos de gestão para este fim, encaminhá-los.
b) Aos Conselhos de Saúde (Estadual e Municipal), solicitando informação quanto a eventual deliberação de seus membros sobre a terceirização dos serviços públicos de saúde para entidades privadas.
Merece a atenção do Ministério Público a correta aplicação dos recursos públicos administrados por instituições privadas por força dos (inconstitucionais) contratos de gestão, bem como o cumprimento da obrigação de prestar contas perante a administração pública, enquanto pendente a definição quanto à constitucionalidade das leis que instituíram o sistema de terceirização.
Seguem, anexos, trechos extraídos do texto do Professor Gilson Carvalho, denominado “Terceirização de Ações e Serviços de Saúde: Limites da Licitude”, sugestões de ofícios a órgãos locais, bem como cópias de ACPs propostas por membros do MPF, a fim de subsidiar eventual atuação na matéria, esclarecendo que outros elementos podem ser solicitados diretamente à PFDC, por meio da assessoria do GT Saúde.
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