segunda-feira, 13 de junho de 2011

Diálogo sobre as práticas



Fragmentos dos comentários para a mensagem "O naufrágio do eu." publicado na RHS.

Ilhas relacionais

Emilia
Oi Marcos,
 Nas suas reflexões, você toca numa questão muito instigante, que e´ o ilhamento das pessoas. A maioria vive com muita pressa, correndo, sem tempo pra enxergar o que esta´ ao seu redor. `As vezes, ate´enxerga, mas a pressa e´ tão grande que finge não ver, pra não “perder tempo” com parada, conversas, afetos. E assim e´ também no trabalho.
Quantos olhares, quantas escutas, quantos toques, quantas palavras são negadas em nome do tempo. Mas sera´ que é falta de tempo mesmo? Claro que não! A questão e´ bem mais complexa.
Levando a questão pro campo da saúde, você me fez lembrar de um caso ocorrido num Hospital em que trabalho. Certa vez, chegou no Serviço Social, uma usuária buscando  atendimento médico para o filho, por ter chegado fora do horário de agendamento ( não temos urgência no hospital). Me articulei com as atendentes e consegui um atendimento extra com um dos médicos que ainda estava atendendo. Minutos depois do atendimento, a usuária retornou ao setor, pra agradecer a nossa “ajuda” e ao mesmo tempo, devolver a receita medica, dizendo que não iria confiar num  médico que não “examinou” o filho dela. Ou seja, o médico  estava muito apressado, e não auscultou a criança. E ai fica a pergunta: a pressa justifica esta conduta? Não seria melhor ter deixado de atender? Isto foi motivo de muitas rodas de conversas com os profissionais.
Boas e reflexões nos trás neste post!

Emília,

Eu começo o texto falando de um enorme paradoxo e não digo em seguida qual é. Ele vem aos poucos ao longo do texto. Pensei, quase cheguei a fazê-lo, em colocar uma frase lá no primeiro parágrafo dizendo que paradoxo é esse que me incomoda.
Agora lendo teu comentário decidi que não. É preciso dar-se este tempo. Vivemos a tentar agarrar e dominar o tempo. Seria melhor se emparceirar dele. Enamorar-se por assim dizer.
Eu e minha esposa estávamos revendo "A casa do lago" agora a pouco. O déjà vu é um fenômeno universal. Mas além dele às vezes podemos "lembrar" do futuro. Foi de um passado, referente há um dia em que nos lembramos de uma criança correndo em nossa sala, que o filme evocou. Sem mencionar o fato sabíamos que nos referíamos ao dia em que "lembramos" do filho que ainda iriamos ter.
Bachelard me induziu em a "Intuição do instante" a ver nestes segundos fecundos a natureza atemporal de um instante. De outra forma, a insondável altura e profundidade de um tempo infinito, que a nós parece limitado em extensão.
A experiência desta mãe que põe fora a receita do médico lembra-me a fecundidade de se render ao tempo. De compor com ele em vez de enfrentá-lo. De fato esta sabedoria imemorial foi capaz de ajudá-la a não correr o risco de expor o filho ao médico que desdenhou a complexidade do tempo, ao mesmo passo em que não deixou de agradecer a quem o tinha respeitado.
O caso evocado agora é o que minha comadre me trouxe ontem à noite, quando fui deixar meu filho com ela. Depois de seis anos, eu e minha mulher fomos a uma festa. O aniversário do Olívio Dutra. Nosso Filho ficou com a madrinha.
O caso que ela me contou é o de uma mãe que num instante virou-se para a pia. Ao retornar o olhar para o filho de 10 meses na cadeirinha de bebê, ela viu o pratinho quebrado e o dedinho da criança cortado. O instante de pavor a levou ao hospital onde minha comadre trabalha. O medo dela era que a criança tivesse engolido um pedacinho do prato que se quebrara enquanto ela se virou para a pia.
No hospital o plantonista optou por uma endoscopia. Um RX era uma opção, mas foi descartado. A cadeia de eventos estava em marcha e o desfecho trágico se aproximava. Na sala de endoscopia pediátrica a criança sofreu uma parada cardíaca por choque anafilático. Foi reanimada depois de cerca de 30 minutos. Ainda resiste na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital. A festa de um ano já estava encomendada.
Uma série de decisões num temo curto para refletir e uma urgência imaginada vira uma tragédia solidificada. A propósito, nada foi encontado no estômago da criança. Quem poderia lembrar-se deste futuro que minutos e horas foram desvelando para todos os que tinham de cuidar desta criança?
Respeitar o tempo, Emília, como a mãe do teu relato fez, é algo difícil. Mas a sabedoria de por fora uma receita, com tudo que a sustenta é até algo corriqueiro. Vemos isto seguidamente. Mas a prudência do gesto, acompanhado do outro de agradecer o esforço da equipe em colocar a mãe e o filho diante do médico é um ensinamento:
Um médico pode não ser útil por ele só e um RX pode ser mais seguro que uma endoscopia. Acima de tudo ver com calma, ponderar e esperar, poderá dar mais tempo do que correr...
Obrigado pelo comentário. Um forte abraço!

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